10 de set. de 2011
ANIMAL – FEIO, SUJO E MALVADO
A década era a de 80, o ano, acho que 1987 ou 1988, eu tinha entre os meus 15 e 16 anos e era aficionado por quadrinhos, o que circulava – e estivesse acessível ao dinheiro da minha merenda – eu comprava, embora não houvesse muita variedade nas bancas. Certo dia o André, um amigo da época, apareceu lá em casa com umas revistas muito esquisitas, radicalmente diferentes das tradicionais Marvel e DC que eu costumava ler. O acabamento gráfico era de excelente qualidade, impresso em diferentes papéis, as estórias coloridas em couché, as preto e branco em off-set, também tinha um fanzine (o Mau – Feio, Sujo e Malvado; Feio, Forte e Formal) que ocupava as páginas centrais – este impresso em jornal. Então, com um sorriso escancarado (ele era dentuço e usava aqueles aparelhos apelidados freio de burro!) o André exibia aquelas revistas que pareciam cintilar diante dos meus olhos. A revista se chamava Animal (lançada pela extinta VHD Diffusion Editorial Ltda) e com ele estavam as edições 1, 2 e 3. Na primeira, a capa exibia a ilustração em close daquele que viria a ser sua principal referência, o cyborgue junk Ranxerox (personagem criado pelos italianos Tamburini e Liberatori, dois caras muito loucos!). As estórias de Ranx (apelido do personagem) se passavam num universo cyberpunk, uma Roma futurista repleta de pessoas decadentes, qualquer um que ameaçasse sua amada (e criadora) Lubna, uma jovem e bela prostituta, tinha o crânio esmagado! Ranxerox era uma espécie de Frankenstain pós-moderno. Na 2 o destaque da capa era Kraken, dos espanhóis Segura e Bernet, a trama se passava nos esgotos labirínticos de uma cidade futurista, seu protagonista, o Tenente Dante (de uma divisão especial da polícia), era o encarregado de caçar uma criatura disforme que habitava os esgotos (o Kraken). Na capa da edição número 3, a belíssima ilustração de Cyb, da dupla Burton e Cyb (também do espanhol Segura; os desenhos eram de Ortiz), dois vigaristas espaciais que vagavam pelo universo dando golpes insólitos e mirabolantes no primeiro otário que desse mole.
O André deixou as revistas comigo e a partir de então comecei minha coleção, mais tarde o convenci a trocar os três primeiros números por um joystick de Atari. Para um moleque aloprado como eu, e que já estava meio de saco cheio do bom-mocismo dos heróis Norte-Americanos, Animal foi uma revelação! Foi nela que conheci o quadrinho europeu, o que havia por aqui nesse sentido, se restringia a edições de luxo, assim mesmo muito raras, vendidas em livrarias a preços não condizentes com a minha merenda – Animal era acessível ao meu bolso! O conteúdo oferecia uma coletânea do que havia de melhor no mundo do quadrinho europeu, também abarcava representantes do underground dos EUA e alguns brasileiros. Nela figuravam nomes como Milo Manara, Pazienza, Jaime Hernandez, Massimo Mattiole e muitos outros que não me recordo agora. Graças a essa revista tive meu primeiro contato com Luca Torelli, o Torpedo, um dos personagens mais canalhas e carismáticos das HQs! Criado pelo espanhol Sanchez Abuli e desenhado por Bernet (seu traço sujo e expressivo dava ainda mais dramaticidade as estórias!), Luca Torelli nascera na Sicília em 1903, depois de uma infância conturbada e miserável vai para os EUA onde se transforma em um assassino a serviço da Máfia, adotando o nome de Torpedo. Também, graças ao fanzine que vinha no meio da revista, comecei a adentrar o universo underground. Nesse encarte, sempre com uma capa tosca e impactante, vinham informações sobre bandas (blues, rock, punk), shows, tatuagens, cinema, sexo, política e terrorismo poético. Muito animal! Também comentavam fanzines enviados por leitores, eu próprio enviei um bem tosqueira que fiz com o André, se chamava Peido.
Animal resistiu ao longo de 22 números e até o final foi fiel aos seus leitores. Depois disso ainda persistiu com edições em forma de álbum, as Grandes Aventuras Animal, as estórias eram longas e completas. Dentre os títulos lançados nessa fase, o ultimo álbum merece destaque (foram ao todo 8), O Vira-Lata, dos brasileiros Paulo Garfunkel e Libero Malavoglia, narrava as aventuras de um vagabundo-justiceiro samurai (uma espécie de Lobo Solitário urbano) pelas noites de São Paulo. Quem teve o privilégio de ler, pôde conferir uma narrativa densa e sincrética, repleta de referências do Candomblé e Cinema noir. Em 1991 Animal sucumbe, vitimada pela inflação, baixas vendas e o Plano Collor. Animal remete a uma época de empreendimentos mais ingênuos em termos de Mercado, isto é, ainda haviam iniciativas que não visavam apenas o lucro imediato e exagerado, também eram feitas por paixão, pois um projeto dessa envergadura aqui pelo Brasil só é possível se for de coração! Quem perde são aqueles que não conseguiram (e não conseguem) se enquadrar no formatão imposto pelo atual Mercado.
Giordani Maia é Mestre falido, Doutor em porra nenhuma e atualmente prefere assinar como Boto.
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