27 de jul. de 2010

DOWNLOAD GRATUITO DE MÚSICA X INDÚSTRIA FONOGRÁFICA


Há pouco tempo li um artigo na Folha.com, onde os músicos Frejat, Marcelo Machado e Ed Motta debatem a respeito do download gratuito de músicas pela Internet. Logicamente, o debate se desenrola em torno da questão da gratuidade (ou não) de acesso a músicas pela Internet e o impacto disso no mercado fonográfico. Segundo o músico e compositor Roberto Frejat, “(...) tal permissão é um desrespeito. É uma coisa muito fácil de ser falada por artista que quer se promover – e ninguém conhece – em relação a artistas com obras consagradas”. É principalmente no contexto de tais comentários que eu gostaria de traçar os meus.
Em primeiro lugar, bem antes do choro de Frejat e da indústria do disco, e bem antes mesmo do garoto de 18 anos chamado Shawn Fanning criar o Napster, o impacto de novas tecnologias no mercado musical sempre foi motivo de medo e desconfiança. Muita gente não sabe, mas quando as pianolas surgiram há 100 anos atrás, os editores de música processaram os fabricantes alegando prejuízo na venda de partituras, pois ninguém mais as compraria. Pra quem não sabe, pianola é aquele piano equipado com um dispositivo que executa a música automaticamente, pode-se dizer que são as avós das jukebox. Também, na década de 30 a indústria da música processou as emissoras de rádio. Nem mesmo as fitas K7 foram poupadas quando surgiram! Nenhuma dessas inovações acabou com a indústria da música, pelo contrário, até então, ela soube se apropriar e beneficiar muito bem de tais instrumentos, no entanto as tecnologias digitais acabaram por gerar impactos profundos nos processos de produção, acesso e disseminação dos bens culturais. Transformou as formas como as pessoas consomem informações, conhecimento e cultura em geral. Nesse sentido, ela (a indústria da música) parece ter encontrado o seu limite e se mostrar um modelo, no mínimo, ultrapassado, a questão então, está em se repensar novas formas de política cultural e de mercado, principalmente no que diz respeito ao direito de propriedade e direito autoral.
Antes de prosseguir, é significativo refletir o quanto o contexto político e econômico em que vivemos é esquizofrênico. Isto é, o mesmo sistema que condena tais práticas é o mesmo que produz suportes para que isso seja possível, por exemplo: CDR-W, copiador de CD etc. Então, se você está com um CD de alguém em mãos e tiver meios para isso, provavelmente vai fazer. Isso é crime? Pela lei, o CD comprado na loja pode ser copiado uma única vez para uso pessoal, sem fins lucrativos. Por outro lado, a lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, considera a cópia integral (art.46, II, da lei) como um ato de violação. Pela mesma lógica, o mesmo vale para “ripar” o CD (converter em um formato digital como o MP3, via software, no computador) e escutar as músicas no carro, no trabalho ou seja lá onde for, em tese você é um criminoso, e poderia pagar uma reparação civil ao autor. Enfim, você pode copiar ou baixar músicas contanto que não seja para fins lucrativos, mas ao mesmo tempo, tal prática se constitui uma violação! Você consegue entender isso? Eu também não, porém acredito que tal labirinto kafkiano está aí para confundir e assim impedir qualquer tipo de reflexão e postura crítica. Quais mudanças realmente significativas estão envolvidas no que está sendo discutido? É nesse ponto que quero tocar adiante.
Logo de início fica claro que tal modelo de indústria se tornou ultrapassado e incompatível com o que veio com a Internet, ou seja, não se atualizou diante de tal inovação tecnológica e da mudança de mentalidade que veio a reboque. Tal mudança pode ser identificada através do conceito de Cultura Livre, e mais, faz surgir reflexões acerca da idéia e do papel do mercado. Para início de conversa, tais questões envolvem a noção de redes e sociedades onde existe uma interatividade real de experiência qualitativa e não apenas quantitativa (ligada ao lucro). Em segundo lugar, tais mudanças de percepção geram críticas e reflexões a cerca da falta de pluralismo da cultura e das informações pelos grandes veículos de informação (isso já começa a surgir na década de 60). No contexto de tais questões, ganha força a discussão copyright x copyleft que critica a propriedade intelectual privada buscado a socialização do conhecimento. Assim, poderíamos dizer que a Cultura Livre defende que todo bem cultural, científico e tecnológico produzido, deveria pertencer a toda a sociedade. Ou seja, oferecendo liberdade de uso, modificação, adaptação e distribuição a todos. Isso não quer dizer que os músicos ou compositores deixarão de viver de seu trabalho, implica sim, outra forma de lidar com essa nova realidade.
São várias as bandas (principalmente as da nova geração) que formam público e vendem suas músicas através de sites, disponibilizando faixas para serem baixadas gratuitamente, e CDs também são vendidos durante os shows. Estratégias alternativas de distribuição e circulação do trabalho musical cujo contrato é feito diretamente com o público. Outra alternativa, é a Creative Commons, que, resumindo, trata-se de um modelo mais flexível de propriedade sobre a obra. Por exemplo, de acordo com ela, outras pessoas podem copiar, distribuir, exibir e executar a obra, inclusive criando diferentes versões a partir da mesma (o sampling), é uma licença não comercial. Seguindo esse exemplo, Gilberto Gil colou uma música de sua autoria (Oslodum) sob esse tipo de licença, abrindo espaço para que outros músicos possam interagir, incluindo trechos da obra em outras músicas. Tais alternativas dão autonomia ao artista e dispensam os atravessadores (as grandes gravadoras).
Muita gente não para pra pensar que na verdade os direitos sobre uma música não pertencem ao seu criador e sim a gravadora com a qual assinou um contrato, e que essa é onipotente e onipresente para fazer o que bem entender, inclusive tirá-la de circulação (se não for comercial, por exemplo). Isso também vale para o que circula em termos de “atrações musicais”: grupos ou bandas pré-fabricadas e pasteurizadas, visando apenas o lucro imediato, completamente descartáveis. Nesse sentido, é o mercado quem dita as regras, inclusive o que você vai ouvir ou deixar de ouvir, lembrem-se dos jabás das rádios! O gosto musical é algo muito complexo a ponto das pessoas estarem condenadas a ouvir o que é ditado pelo mercado, e mais, encarecendo os produtos e censurando a criatividade que é o caráter experimental e fundamental de qualquer tipo de arte. O que veio a reboque dos novos suportes digitais tem a possibilidade de se tornar algo muito rico e democrático, pois o usuário pode ter acesso a um nível absurdo de culturas e informações. Tal debate está em aberto e diz respeito e sociedade também, não apenas aos músicos e gravadoras, caso a primeira seja omissa os “tubarões” vão tomar conta novamente, isto já está sendo feito através da ameaça a usuários e aos provedores por onde circula esse tipo de cultura.
Enfim, sobre o comentário de Frejat, algumas questões. Se compartilhar arquivos de música é “falta de respeito”, o músico deveria rever sua posição e se lembrar do jabá das rádios (mencionado acima), prática considerada criminosa, mas mesmo assim já incorporada aos ganhos destas. Outra coisa, ainda sobre falta de respeito, há pouco tempo li uma pequena nota em uma revista a respeito do jogo Guitar Hero 5, segundo a informação, nessa versão o vocalista do Nirvana (Kurt Cobain) ressuscita digitalmente, interpretando não só músicas da banda mas também outras canções que em nada tem a ver com o grupo ou postura do falecido, como Bon Jovi, Elton John e bandinhas genéricas. Ou seja, gostos a parte, o cara não está mais vivo e nem se quer pode opinar sobre a exploração e exposição de sua imagem, é lógico todos os direitos pertencem a terceiros, dentre eles sua viúva Courtney Love (principalmente!). Só mais uma coisinha, se o critério de Frejat para “músicos consagrados” é o sucesso comercial, então sua postura é muita rasa, para não dizer lamentável, em termos de arte, isso é o que menos conta (a não ser para quem comercializa), além do mais, pelo contexto aqui esboçado, a questão é bem mais complexa!

Giordani Maia é “artista”, Mestre em Linguagens Visuais e Doutor em porra nenhuma
Alguns links interessantes (se alguém conhecer outros posta aeee!!!):
http://www.estudiolivre.org/tiki-index.php?page=Áudio&bl
http://pt.kioskea.net/faq/1126-cultura-free-cultura-livre-gratuita
http://musicaxdireitosautorais.wordpress.com/
http://portalliteral.terra.com.br/artigos/industria-vs-cultura-livre
http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n53/cshwingel.html
http://www.estudiolivre.org/tiki-browse_freetags.php?tag=cultura%20livre
http://www.culturalivre.org/site/aggregator/sources/1
http://submidialogia.descentro.org/

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